sábado, 16 de junho de 2007

A ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR DE MINAS GERAIS

Introdução

A Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG é a instituição responsável pela ordem pública do Estado। Criada para reprimir as atividades criminosas que emergiam concomitantemente com a urbanização e a economia aurífera das Minas Gerais – fatos que marcaram a história da colonização portuguesa no Brasil – a PMMG, ao longo de seus quase dois séculos e meio de existência, veio construindo sua imagem de corporação militar até se constituir como instituição sólida, cognominada pela comunidade de “patrimônio dos mineiros”।
Os fatores socioculturais, políticos e econômicos determinados pelas inovações tecnológicas alteraram o ritmo da convivência social e impuseram outra dinâmica aos processos organizacionais, até então caracterizados pelas definições rígidas da burocracia configuradora dos procedimentos administrativos no universo organizacional. A preferência pelos modelos flexíveis de organizações tornou-se unânime entre os gestores das grandes empresas – que têm, como principal objetivo, a maximização dos resultados e a minimização dos custos através das técnicas de reengenharia. É através desse amálgama, típico da sociedade contemporânea, cujo escopo é a racionalização produtiva, que vem sendo discutida a necessidade de uma nova concepção organizacional das polícias militares no cenário brasileiro. Para uns, é inevitável a extinção do modelo de organização policial existente: afirmam que o modelo é anacrônico e incompatível com a realidade social do país, que a melhor solução para o problema está na criação de uma nova corporação policial, mais profissional e capaz de refletir na sociedade uma imagem de instituição descomprometida com a corrupção e as práticas profissionais incompatíveis com a democratização que se passa nas sociedades contemporâneas. Para outros, a ineficiência das polícias não está na estrutura organizacional em si, mas num universo relacional de fatores fora da instituição policial, que limitam e impõem condições impróprias de trabalho (equipamentos e rigidez administrativa). Os adeptos desse postulado entendem que as reformas de caráter administrativo, junto com o reaparelhamento e o treinamento do contingente policial seriam suficientes para obter os resultados desejados. Dispensam a necessidade de se criar uma nova estrutura organizacional, mas indicam ser necessário mudar a forma de atuação do policial junto à comunidade para que a corporação policial tenha uma imagem positiva junto a esta. Aliás, esse é outro aspecto que tem impulsionado as demandas por reformas na instituição policial: do desgaste e estigmatização junto à sociedade. Nesse sentido, propõem que a ação da polícia seja compartilhada pela própria sociedade, tornando mais eficiente e democrática a atividade policial.
O novo cenário social inscrito na sociedade brasileira, o desgaste e anacronismo institucional das polícias, juntos, instalaram um quadro de conflitos sociais e práticas de atos violentos que inviabilizam os projetos de uma sociedade que se propõe perene e adequada para se viver. O problema da segurança pública está preocupando todos os segmentos sociais que buscam a melhor adequação das forças policiais aos fins para os quais foram criadas. Isso exige a reconstrução do modelo institucional das polícias, tornando-as mais ágeis e eficientes no exercício das atividades que lhes são atribuídas. Essa reconstrução não se circunscreve aos equipamentos para o exercício das atividades repressivas, mas também a um pensamento que reconstrua o saber para entender com mais profundidade a dinâmica que engendra esse tipo de instituição, cujas relações sociais de trabalho e objeto de trabalho são sui generis, o que não deixa de demandar um estudo mais profundo.
Sobre o conhecimento da instituição policial
Se olharmos de perto toda literatura que se ocupa em discutir a atividade policial e procurarmos saber, com mais profundidade, o que define a estrutura desse tipo de organização; como se processam as relações internas, de poder, de afeto, de amizade; como o policial se autodenomina quanto ao exercício da profissão, quanto ao reconhecimento público do que faz, quanto à realização pessoal e ao status da função que exerce; se sua satisfação profissional supera o medo e o risco inerente ao tipo de trabalho; enfim, como são configurados os corpos que operam a organização policial militar, não será nenhuma surpresa encontrarmos uma acanhada produção científica sobre o tema. Uma parte significativa dos pesquisadores interessados pelo assunto tem se preocupado com a repercussão dos efeitos das ações policiais no meio social. São parcas as indagações sobre os processos geradores e reprodutores dos fatores socioculturais que caracterizam a atividade desse tipo de organização e que representação a imagem dessas instituições tem para o seu público interno e externo numa dada sociedade. Uma das razões do mal-estar existente entre a polícia e o público é que a polícia é uma das organizações mais desconhecidas neste país (PAIXÃO e BEATO, 1997).
Existem poucas publicações sobre a organização policial militar de Minas Gerais nas bibliotecas de Belo Horizonte. Nos acervos das universidades, podem ser encontrados alguns volumes de pesquisas sobre violência policial e alguns dados históricos sobre a polícia. No Acervo Público Mineiro, existem documentos históricos sobre a evolução da polícia no Estado. Na Academia de Polícia Militar, existe uma livraria – obviamente especializada no assunto – cujo estoque, salvo um ou dois exemplares, se restringe a produções do efetivo. São artigos avulsos, monografias e uma revista periódica (O Alferes), que abordam os diversos problemas do cotidiano policial. Na Fundação João Pinheiro e na Universidade Federal de Minas Gerais, concentra-se a maior parte dos trabalhos e pesquisas sobre criminalidade e violência policial, bem como propostas sobre a reformulação da polícia.
É notável a ausência desse tipo de conhecimento nas academias brasileiras: salvo algumas exceções, os pesquisadores têm privilegiado as questões inerentes à prática da violência policial. Pouco se produziu sobre as questões intrínsecas à cultura organizacional e aos processos psicossociais que engendram o trabalho policial. O conhecimento das entranhas da PMMG manteve-se, por muito tempo, restrito aos partícipes da corporação, e ainda hoje há resquícios desse enclausuramento cultural estampado nas práticas militares, quando procuram estipular condições de diferenciação entre o paisano e o militar. Faz parte da tradição cultural dos policiais militares ver o paisano com suspeição, e a recíproca é verdadeira, contribuindo para dificultar, ainda mais, o relacionamento das polícias com as pessoas comuns. Por outro lado, as notícias divulgadas pelas mídias, sobre as atividades policiais, têm produzido efeitos ruinosos à imagem da instituição policial junto à sociedade, despertando nos cidadãos o sentimento de repulsa pelo trabalho da polícia.
O treinamento dos policiais militares em Minas tem sido um dos principais pontos de investimento da corporação nos últimos anos, mas ainda apresenta certo grau de deficiência, principalmente quanto àquele destinado aos praças. Mas o nível de especialização dos oficiais da PMMG é elevado: no alto comando, predominam os oficiais pós-graduados. Todos trabalham em suas respectivas áreas de especialização – tecnologias da informação, finanças, administração, ciências sociais, marketing etc. As pesquisas de opinião pública divulgadas pelas mídias vêm indicando um alto grau de rejeição da polícia pela sociedade; grande parte da população se sente insegura com a presença policial. Essa imagem negativa das polícias em todo o país tem preocupado as autoridades responsáveis por essas instituições. Em Belo Horizonte, estão sendo implementados projetos que buscam recobrar a credibilidade da Polícia Militar. Estudos realizados pela Universidade Federal de Minas Gerais e Fundação João Pinheiro, em conjunto com a Polícia Militar, vêm procurando caminhos que possibilitem aproximar a polícia da comunidade e estabelecer relações para melhorar o trabalho de combate à criminalidade.
O problema da criminalidade é complexo. Seus efeitos demandam estudos com amplo espectro de informações, o que implica uma maior abrangência de esferas de conhecimentos envolvendo o tema. Se abordarmos o tema através de uma perspectiva ampla, iremos perceber que a responsabilidade policial tem limites e que é necessário o envolvimento de outros setores da sociedade nas agendas de discussões sobre o problema. O aumento assustador da criminalidade abriu um leque de discussões e atraiu diversos cientistas sociais que se propõem a conhecer o problema para implementar as políticas de combate à criminalidade. Descortinou-se um elenco de indagações sobre qual seria o papel das polícias e o limite de responsabilidade e de competência policial no combate ao crime.
A imagem da polícia tem sido estigmatizada nos veículos de comunicação, que disseminam diversas informações para o público sem se preocupar com os seus efeitos no imaginário coletivo. Atribuem-se às policias qualidades e funções que ultrapassam as reais atribuições para as quais foram concebidas. A função da polícia é representada nas mídias de forma equivocada: de um lado, coloca o policial no papel de demiurgo, capaz de solucionar as históricas relações conflituosas do homem; de outro, faz do policial o ser mais cruel. Os enredos cinematográficos refletem a atividade policial através da lógica cruel, cuja repercussão no meio social fortalece os preconceitos e a incompreensão do verdadeiro papel que fundamenta os princípios da função policial.
A cobertura midiática sobre as questões vinculadas à segurança pública é uma constante jornalística. Diariamente, são noticiados diversos fatos sobre a violência. O medo é difuso em toda a sociedade; não se sabe o que temer: apenas se sente medo. Os fatos que nos causam medo se desenvolveram ao longo da história, migraram da fantasmagoria para a vida real, materializaram-se, e são difundidos pelas empresas de notícias. Já não se teme apenas aquilo que indica a iminência aterradora; o medo não se restringe às ocorrências que nos ameaçam no cotidiano da nossa rua, bairro ou cidade. Causam-nos medo todas as práticas sociais que impinjam noutro indivíduo um sofrimento qualquer, não importando quem esteja sofrendo e onde ele se encontre. Por mais longínquo que ele esteja, ainda assim tememos que a causa do sofrimento dele também possa desencadear, em nós, idêntico sofrimento que passa no outro distante – é o sofrimento à distância, a que se refere Boltansky (1990). O que nos causa medo universalizou-se. A distância foi encurtada pelos avanços tecnológicos e sentimos medo daquilo que dista da nossa realidade diária, que não aparenta perigo iminente como ocorre com os acontecimentos que nos ameaçam, que nos amedrontam por se encontrarem realmente próximos de nós. O espetáculo produzido pelas mídias, através da vulgarização dos episódios de conteúdos aterrorizadores, pode ser visto como estratégias que visam despertar nas pessoas um sentimento de ânimo diante de sua miserabilidade a do sofrimento do outro.
A inserção da imagem da instituição policial no cenário brasileiro passa, necessariamente, pela reformulação dos valores culturais enraizados na convivência social dos policiais. Os vícios e os privilégios, negados pela racionalidade burocrática (WEBER, 1982), minam as virtudes atribuídas à organização da Polícia Militar de Minas Gerais. As mudanças reivindicadas pela sociedade têm repercutido nos quartéis e rompido com o isolamento até então existente na corporação policial militar.
Recuperar o verdadeiro sentido do conceito polícia torna-se importante para delinear as evoluções históricas que deram origem ao atual estágio organizativo em que se encontram as diversas modalidades policiais. O nome polícia tem servido para designar uma profusão de organizações com diversas finalidades, que, muitas vezes, não correspondem ao que historicamente se propusera com as primeiras organizações policiais criadas no mundo ocidental. A incumbência de garantir a ordem legal, manter a conduta de acordo com os preceitos morais vigentes na sociedade e reprimir os crimes constituem os principais objetivos determinantes da necessidade da instituição policial. Desviar desses objetivos significa a desconstrução do conceito de polícia. Essa condição de existência da polícia lhe exige amplos recursos para efetivar aquilo para o qual foi constituída. A questão é saber como a instituição policial pode engendrar um novo modelo que satisfaça as reivindicações da sociedade e dos próprios agentes policiais.
Hannah Arendt afirma que a geração de poder necessita da convivência entre os homens; portanto, as cidades foram a condição material mais importante na constituição do poder (ARENDT, 1993). A força, por sua vez, ainda segundo Arendt, distingue-se do poder, por ser esta uma condição expressa na individualidade, na condição física de cada um; o poder, ao contrário, está vinculado à ação produzida pelos indivíduos no convívio social. A eficiência policial depende de muitos fatores que, articulados coerentemente, cumprem os objetivos coercitivos que lhe são atribuídos. Entre esses fatores, destacam-se a capacitação profissional e a legitimidade como fundamentais na estruturação da instituição policial. A legitimidade de poder determina à instituição sua aceitação pública e a sua capacitação traz ao público a confiança necessária para respeitá-la. Se concebermos que é na convivência social que se origina o poder, o relacionamento da instituição policial com a sociedade deve, portanto, ser suficiente para o fortalecimento das atribuições dessa instituição. .
A emergência do ofício policial
A polícia é um órgão do poder público que tem como objetivo específico resguardar a ordem social, a ordem pública e política de uma dada sociedade. A função policial é análoga à função dos agentes de saúde pública. Explicando: o agente de saúde pública combate as doenças que acometem a sociedade e toma medidas profiláticas visando a saúde para todos os cidadãos; a polícia combate as ações criminosas que acometem a sociedade e toma medidas preventivas visando a tranqüilidade de todos os cidadãos. Além disso, o trabalho da polícia protege o patrimônio público e particular, previne contra a violação das leis penais, fiscaliza a moralidade dos costumes e auxilia a Justiça na manutenção da incolumidade pública. A polícia pode ser ostensiva ou preventiva. É ostensiva quando faz notar sua presença; preventiva, quando usa estratégias para evitar ocorrências criminosas.
A polícia pode ser classificada de acordo com o exercício de sua atividade. Denomina-se polícia administrativa ou preventiva aquela em que a atividade se restringe à vigilância para preservar e garantir a ordem e a tranqüilidade pública; para impor os bons costumes; para preservar a moral coletiva; para impedir a desobediência às leis; para fiscalizar o trânsito, as casas de espetáculos e diversões; para inspecionar as aglomerações de pessoas e assegurar o cumprimento dos atos da administração pública. Denomina-se polícia judiciária, repressiva ou civil, aquela que exerce atividades auxiliares da Justiça: investiga e descobre infrações da norma penal, diligência para capturar os seus autores e reúne provas contra eles em inquéritos regulares, depois entregues à justiça punitiva com base no procedimento criminal.
Para Freud (1973), a liberdade individual não é um bem da cultura; antes dela a liberdade era máxima, porém, cada indivíduo ficava restrito às suas limitadas condições para a autodefesa. O "processo civilizador" impôs aos indivíduos restrições comportamentais regulados pela Justiça. O maior problema da humanidade é encontrar o equilíbrio entre a procura incessante de liberdade individual, e a proibição contida nas regras culturais que impedem o homem de manifestar sua plena liberdade em busca da felicidade condicionada pelos desejos instintivos. Essa característica da cultura de regular as relações sociais dos homens no vasto espectro em que elas acontecem, desde aquelas estabelecidas entre as pessoas muito próximas em razão de interesses afetivos, sexuais, comerciais, etc., até aquelas mais longínquas – como as que envolvem o Estado, empresas etc. – evitam que o arbítrio individual decida os conflitos existentes nessas relações, prevalecendo o mais forte.
Para a necessidade de que exista uma potência que regulamentasse o convívio social dos indivíduos convergem muitos pensadores que se ocupam dos problemas relacionados com a criminalidade. Para muitos, a possibilidade da convivência humana está intimamente ligada à capacidade coercitiva de cada sociedade, que se expressa numa potência legitimada para regular os processos da trama social. Dessa forma, limita-se a manifestação da força individual e impede-se a manifestação da individualidade e da agressividade humana, preservando-se, portanto, os interesses coletivos. Esse mecanismo de substituição do individual pelo social constitui-se no amálgama que originou a cultura, que deu ao homem sua condição humana. De outra forma, as regras proibitivas são necessárias, mas só podem superar a força bruta do homem quando convergidas para as razões contidas no direito que se constitui para preservar a unidade e a coesão social.
Nas sociedades complexas, em especial aquelas cujos valores seguem os padrões da cultura ocidental, as instituições desempenham um papel importante na trama das relações sociais. São notáveis as influências das normas institucionais no comportamento das pessoas, pois que padronizam o status social de cada indivíduo através de uma educação regular e rotineira. De um lado, a família constrói as estruturas básicas do ser social através de regras informais, praticadas de acordo com cada meio social em que se vive. Do outro, a escola, através do conhecimento formal instituído de acordo com cada época e necessidade do sistema produtivo, produz e reproduz o ser social. Ainda temos os preceitos religiosos que exercem seu papel unificador das crenças dos indivíduos. Assim o Estado e as demais instituições existentes na sociedade constituem os instrumentos produtores e reprodutores dos sistemas sociais. Essas instituições preparam os novos componentes da sociedade para capacitá-los à reprodução desses valores ao longo da história. O convívio duradouro e harmonioso, aprovado segundo os critérios de cada cultura, dependerá do sucesso da assimilação desses valores pelas gerações seguintes.
Se o primeiro pressuposto de toda existência humana é a sua condição de poder viver, a história dos homens está, assim, condicionada ao fato de serem estes obrigados a produzir, de um determinado modo, a sua própria vida de acordo com suas limitações físicas. Nessa perspectiva, os homens constroem os instrumentos coercitivos compatíveis com cada realidade. Fica a pergunta: a polícia atende hoje a essas necessidades?
Deleuze (1990) afirma que todo estilo novo implica num encadeamento de posturas, isto é, um equivalente de sintaxe, que se faz com base num estilo precedente em ruptura com ele. As melhorias técnicas só têm efeito se tomadas e selecionadas num novo estilo, que elas não bastam para determinar. Penso nos modelos organizacionais existentes na nossa sociedade, que carecem de um novo estilo. O problema é como fazer essa mudança. Em analogia ao que diz Deleuze, afirmo que a estrutura organizacional da polícia carece de um novo estilo, que deverá ser introduzido através de um encadeamento de posturas administrativas e normativas como numa sintaxe.
Foucault (1984) observa que as sociedades modificaram as formas de reprimir os diversos tipos de crimes: aboliram o suplício, concebido como espetáculo público de coerção; aperfeiçoaram as leis penais, adaptando-as às novas realidades socioculturais; deslocaram o sofrimento corpóreo imputado ao infrator para o sofrimento mental (ou seja, nesse tipo de sofrimento já não é mais a carne o ponto melindroso capaz de causar a resignação dos condenados, mas a mente). É através de um certo olhar, da ordenação específica sem atingir diretamente o corpo que se obtém a obediência, o arrependimento e o comprometimento de não mais infringir as normas sociais que convencionam as condições mínimas da convivência social. Continua Foucault (1984) também ressalta que: nos séculos XVIII, XIX e XX – no início deste último, foi mais evidente a situação disciplinar – os indivíduos eram confinados nas diversas instituições existentes na sociedade (família, escola, hospital, fábrica, caserna e o próprio confinamento, a prisão). Cada instituição se incumbiu de controlar os movimentos, concentrar os indivíduos, ordená-los no tempo e no espaço para que cada um pudesse se ajustar às conveniências sociais; e, através desse conjunto sincronizado – corpo e mente obediente – submetê-los aos comandos regimentais. O objetivo era obter uma obediência incondicional, sem qualquer possibilidade da ordem emitida pelo dominante ser questionada pelo sujeito ou sujeitos alvos do controle. A legitimidade da ordem não seria obtida através dos processos conscientes. Ele destaca ainda que as ciências produziram, por meio do conhecimento humano, as vias indispensáveis para efetivar esse domínio. Alteraram-se os desejos e as necessidades humanas, pontos vulneráveis ao controle.
Ao constituir os aparatos repressivos, o Estado criou as forças policiais para estabelecer a ordem nos conflitos de interesses sociais e garantir certo conforto no imaginário coletivo, de modo a amenizar o mal-estar social. Nessa perspectiva, a polícia, enquanto força repressiva para garantir a estabilidade em sociedades caracterizadas por desigualdades sociais tinha o papel eminentemente de repressão às categorias sociais que se sublevaram contra os interesses dominantes.
Panorama histórico
Desde a chegada dos portugueses nas terras brasileiras até os nossos dias, as qualidades paradisíacas do país têm sido motivo para atrair povos de todos os cantos do mundo, na esperança de encontrarem, nas terras tropicais, o paraíso perdido, onde melhor possam viver. A história registra diversos elogios feitos pelos viajantes quinhentistas, ficando o destaque para Pero Vaz de Caminha, que, em sua missiva dirigida à coroa portuguesa, relatava os encantos da nova terra. Outra carta elogiosa ao Novo Mundo foi a de Américo Vespúcio, dirigida a Francisco de Médici. Outro entusiasmado com a terra brasileira foi Gandavo, que afirmava ser a província de Santa Cruz a melhor para a vida do homem por ser de bons ares e de terras fertilíssimas. Assim prosseguem outros cronistas, noutras épocas; cada um à sua maneira, tecendo o discurso laudativo sobre a complacência da natureza em criar lugares tão belos e generosos à vida como os do novo país.
Essa visão encantada dos viajantes sobre a dádiva da natureza para com as terras brasileiras seduziu não somente os portugueses que colonizaram o país, mas ainda outros povos da Europa. Foi da cultura européia que se originou a sociedade brasileira, cujas características de convívio social, de instituições e idéias ainda preservam os resquícios culturais do velho continente.
Diversos autores afirmam que se a sociedade brasileira concede privilégios em excesso, isso se deve em larga medida aos povos ibéricos, que antes já haviam desenvolvido o mesmo tipo de costume. Nesses países, o valor dos homens não poderia sofrer inferência dos demais; cada qual era produto de suas virtudes e de seus esforços Holanda, (1998) ressalta o personalismo como herança cultural ibérica que se espalhou por todas as organizações que iriam consolidar a ordem pública. A não presença de uma hierarquia organizada na sociedade brasileira, segundo o autor, abriu espaço para proliferarem os elementos anárquicos. E para conter esses ânimos anárquicos, o governo não se preocupou em unir os homens; ao contrário, recorreu aos mecanismos capazes de separá-los. Assim, Holanda lembra que os decretos e a imposição de normas rígidas e repressivas, como recursos para inibir as paixões dos indivíduos, tornaram-se práticas costumeiras dos governantes brasileiros. Por outro lado, para efetivar esses recursos governamentais de controle social, foi necessário recorrer à formação de um aparato miliciano, recrutado entre a população da colônia, para conter bandoleiros e rebeldes através do uso exagerado da força física. Desconheceu-se, porém, a capacidade astuciosa dos indivíduos para criar e sofisticar meios de burlar todas as formas de repressão provindas do governo.
É nesse contexto que se delineia a história das polícias brasileiras, iniciada em 1548, no primeiro governo de Tomé de Souza, quando se criou a primeira força armada regulamentada através do princípio militar. Com um contingente de 600 homens, armas bélicas e regulamento do rei de Portugal, constitui-se a primeira lei orgânica da força armada do Brasil. Alguns anos mais tarde, precisamente em 1570, completou-se esse regulamento com a obrigatoriedade do serviço militar, com o principal objetivo de se fazer a defesa comum.
Assim, constitui-se a primeira organização militar brasileira, denominada Ordenanças, criada para garantir a segurança do território nacional. Seu contingente – excetuando-se os que pertenciam ao clero e os funcionários reais – era recrutado entre toda a população colonial masculina, que permanecia em suas atividades particulares indefinidamente até quando houvesse necessidade de fazer a defesa do território nacional. Só então esses homens tomavam seus postos na organização, armavam-se por conta própria e, em ação de guerra, recebiam o soldo; caso contrário, permaneciam no exercício de suas atividades da vida privada sem nenhuma remuneração.
Mais tarde, vieram as milícias, com um grau de organização maior que as Ordenanças, que recrutavam seu contingente de forma mais criteriosa e adotavam alguns princípios de interesse do governo português – ou seja, os cargos superiores do comando só poderiam ser ocupados por pessoas de nacionalidade portuguesa, enquanto os demais cargos poderiam ser ocupados por brasileiros. Assim como nas Ordenanças, também os milicianos não recebiam remuneração fixa, mas somente nos períodos em que exerciam a atividade miliciana. Nesse estágio de evolução da organização militar, já havia certa preocupação em se treinar o contingente: periodicamente, esses homens deixavam suas atividades civis para se dedicarem à aprendizagem do ofício militar.
Para garantir os interesses econômicos do governo português e manter a exploração da colônia sob controle, era necessário que a Coroa agisse com determinação para conter os ímpetos daqueles que pretendessem desobedecer ou tentar qualquer tipo de insubordinação das ordens vindas do rei.
Os portugueses davam primazia à vida rural, cuidando de explorar os bens naturais sem se preocuparem com as feitorias; queriam uma riqueza fácil e, se possível, ao alcance da mão. Mas, aos poucos, as riquezas fáceis, em abundância no início da colonização, foram se escasseando, o que obrigou os aventureiros a providenciar outros meios que lhes possibilitassem continuar se apropriando das riquezas da colônia, sem a necessidade de acometer ao trabalho com muitos esforços para alcançarem os objetivos da exploração.
Juntamente com o Ciclo do Ouro, iniciou-se a expansão urbana, que, na trilha da exploração, produziu uma sociedade urbana caracterizada pela astúcia de conseguir o enriquecimento através da ética aventureira, (HOLANDA, 1998). Essas características sociais, definidas a partir do tipo de caráter que compunha o cidadão que ia proliferando nas cidades, nos indicam que os conflitos sociais e todas as modalidades de trapaças iriam emergir, tornando difícil a convivência urbana, sem que houvesse uma força capaz de conter tais conflitos.
A mineração do ouro de aluvião
[1], como é conhecida, despertou a cobiça de multidões que, aos poucos, se fixavam nas terras próximas de onde se extraía o precioso metal. Nas terras de maior concentração do metal, elevavam-se as primeiras casas que iriam compor o futuro cenário urbano das Minas Gerais – cenário que ficou caracterizado pela exuberância do ouro empregado nas construções das igrejas e pelas casas luxuosas, para a época, denunciando que havia riqueza naquele lugar. Assim, nasceram as primeiras cidades históricas de Minas Gerais[2].
A aglomeração, muito rápida, de pessoas nos povoados e nas vilas que estavam surgindo trouxe os diversos problemas que caracterizam esse tipo de urbanização. A população que se aglutinava para formar os povoados e as vilas se caracterizava por um espírito predominantemente predatório. Eram pessoas que procuravam o enriquecimento rápido a qualquer custo, sem se preocuparem com as conseqüências dos seus atos. A lógica que predominava era a do oportunismo, do menor esforço e maior lucro; tudo deveria ser feito para aproveitar o máximo possível das situações favoráveis ao enriquecimento sem um mínimo de esforço. Talvez seja esse o principal traço que caracterizou a colonização portuguesa por onde ela esteve: buscar a riqueza através da ousadia e não à custa do trabalho (HOLANDA, 1998). Eram pessoas de princípios éticos baseados na lógica da ousadia, no descomprometimento com as coisas públicas, mas com elevado interesse de enriquecimento à custa de nenhum esforço (HOLANDA, 1998), que iriam desenvolver as cidades e produzir o surto populacional que interromperia a melancolia do ambiente da colônia para originar a sociedade urbana, constituída de pessoas cujo caráter não comportava atitudes que exigiam lealdade ou comprometimento duradouro com o lugar onde viviam. Predominava o caráter da economia fundamentada no garimpo do ouro, que, por sua natureza, era permeada por diversas modalidades de crimes e práticas sociais desprovidas de qualquer preceito moral. Desenvolveu-se o processo de urbanização nas Minas Gerais. Dessa forma, iniciou-se a trama social que iria produzir diversos inconvenientes ao governo português.
O domínio português no Brasil foi morrinhento. Da descoberta da nova terra até quase duzentos anos depois, a atitude política da coroa portuguesa para conter os invasores que despojavam as riquezas brasileiras foi de uma lassitude deplorável. Todos os tipos de rapinagem eram praticados nas terras brasileiras, e a metrópole, desalentada, nada fazia para impedir a evasão das riquezas naturais, que, além de abundantes, eram achadas na natureza; não se necessitava de trabalho ou muito esforço para delas se apropriar. Mas essa lassitude portuguesa foi interrompida quando se iniciou o período aurífero em Minas. Ao perceber que a abundância de ouro atrairia pessoas cobiçadas pelas riquezas fáceis, o governo da metrópole resolveu agir de forma enérgica para se precaver dos malfeitores que se aglutinavam nas redondezas onde se minerava. Dessa forma, garantiria os negócios do empreendimento além-mar.
Essa atitude intervencionista, de caráter autoritário, impediria edificar uma nação a partir dos princípios da cidadania. As medidas do governo para manutenção da ordem social tinham como escopo garantir o máximo da exploração econômica, independentemente de estar ou não desrespeitando os direitos individuais. A repressão policial tornou-se o mecanismo preferido pela Coroa para consolidar seu poder na colônia. Isso pode ser verificado no fato denominado Demarcação de Diamantina, que, em 1771, impunha limites territoriais para submeter a população civil à exploração. Essa lei obrigava todos os moradores a exibir provas de idoneidade e de identidade suficientemente capazes de satisfazer a autoridade local, todas as vezes que necessitassem se deslocar dentro da região demarcada; do contrário, estavam sujeitos ao degredo em Angola. Esse tipo de exagero é o mesmo que criar um Estado dentro de outro Estado.
A partir de 09 de novembro de 1709
[3], São Paulo e Minas Gerais[4] separaram-se do Rio de Janeiro para formar uma única capitania, primeiramente governada por Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Nesse período, a organização militar brasileira ainda era incipiente[5]; mas as conseqüências sociais advindas da descoberta e da exploração aurífera em Minas obrigaram o governo a criar a Tropa de Linha que, em princípio, recrutava seu contingente em Portugal para constituir uma Força Regular e Paga à serviço da metrópole. D. Antônio de Noronha, em 1775, ampliou os quadros dessa organização militar, constituindo, assim, o regimento de cavalaria regular, que passou a denominar-se Tropa Paga da Capitania.
Com o desdobramento socioeconômico ocorrido na Capitania de Minas, D. João V organizou e enviou para a colônia uma tropa de Dragões
[6], composta de duas companhias, para que pudesse apaziguar os levantes verificados em Minas em função da arrecadação de impostos[7] do ouro que eram sonegados à Coroa. No final de 1719, esse contingente de Dragões já se encontrava agindo em Minas. Temendo o descontrole sobre a sublevação, tratou-se de enviar mais reforços militares para conter os rebeldes que proliferavam em Minas. Em 1729, chegou à colônia a terceira companhia para compor as duas outras anteriores que já estavam em ação.
O processo de colonização portuguesa no Brasil foi constituído por elementos da improvisação: não se alicerçou uma cultura que atribuísse importância à permanência das coisas; ao contrário, o imaginário predominante foi aquele que fortalecia os costumes do provisório, do fazer e desfazer como prática corriqueira dos governantes e instituições dos diversos tipos. Ficou evidente essa peculiaridade do imaginário do colonizador português no episódio sobre a chegada da terceira Companhia de Dragões em Minas, em 1729. A improvisação foi tanta que não havia abrigo para toda a tropa; como não havia quartel, foram obrigados a dividir os soldados em grupos de até cinco para serem alojados nas residências particulares das famílias de Vila Rica.
Os soldados portugueses não se adaptaram à realidade da colônia. As condições climáticas, o desconforto no trabalho e as ligações afetivas na metrópole fizeram dos Dragões uma tropa ineficiente, incapaz de cumprir com as incumbências que lhe foram atribuídas. A conseqüência disso foi a dissolução dessas três companhias em 1775. Para substituí-las, D. José I autorizou o governador D. Antônio de Noronha a criar, em 09 de junho de 1775, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas. Nesses percalços, iniciou-se a profissionalização, ou melhor dizendo, uma função remunerada cujo ocupante não teria necessidade de exercer outras atividades para se sustentar. O pagamento dessa tropa, integrada por soldados mineiros, ficou sob a responsabilidade do governador da Capitania de Minas, na época, o próprio D. Antônio de Noronha. A partir de então, foi criada a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, cujas atribuições eram de natureza militar e policial.
Quanto à atribuição militar, era de sua responsabilidade atuar em combates para resguardar a unidade nacional. Assim, por várias vezes ajudou em combates noutras regiões fora de Minas. Como atribuição policial, tinha por objetivo impedir o contrabando do ouro extraído em Minas e fazer a escolta do seu transporte para o Rio de Janeiro e outras regiões; também, em menor importância, resguardava a ordem social da Capitania de Minas.
No período da Regência Trina, de muitas turbulências sociais, o Governo Regencial, para sustentar a situação política, percebeu ser necessário criar um corpo policial para atemorizar os revoltosos e, ao mesmo tempo, proteger os cidadãos. Ficou na incumbência de organizá-lo o major Luiz Alves de Lima e Silva, mais tarde Duque de Caxias. De acordo com a Carta-Lei de 10 de outubro de 1831, criou-se, no Rio de Janeiro, o Corpo de Guardas Municipais Permanentes. Em 12 de dezembro do mesmo ano, foi criado o Corpo de Guardas Permanentes de Minas.
Na 17ª sessão extraordinária do Conselho da Província de Minas, em 12 de dezembro de 1831, ficou resolvida a criação do Corpo de Guarda Permanente de Minas, conforme se segue:
“Prosseguindo-se em novas amplas reflexões, a respeito da Organização das Guardas Municipais Voluntárias, e do emprego que deverão ter na capital e nas mais Povoações da província, resolveu-se pela creação de um Corpo de Quatrocentas, dezoito pessoas, em quatro Companhias de noventa soldados, com os respectivos Officiaes e Officiaes inferiores, conforme o Plano adoptado na Côrte, pelo Decreto de 22 de outubro deste anno, sendo todo de pé, visto que já na Província existe o outro Corpo de Cavalaria de 1ª linha, que tem de empregar-se – simultaneamente” (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO – CÓDICE 86).
Assim, inicia-se a Polícia Militar de Minas Gerais, marcada por dois momentos de importância política: o primeiro, relacionado com a criação da Guarda Nacional em 18 de agosto de 1831 – guarda que atuou na Guerra do Paraguai e se caracterizava como força, diferentemente de um exército regular propriamente – e o segundo, relacionado com a criação dos Corpos de Guardas Municipais Permanentes em 12 de dezembro de 1831, em Minas, conforme se lê a seguir:
“A Regência, em nome do imperador o Senhor Dom Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou, e ela sancionou a lei seguinte”:
Art.1º - O governo fica autorizado a criar nesta cidade um Corpo de Guardas Municipais Voluntários a pé, e a cavalo, para manter a tranqüilidade pública, e auxiliar a justiça, com vencimentos estipulados...
Art.2º - Ficam igualmente autorizados os presidentes do Conselho para criarem iguais Corpos, quando assim julguem necessários, marcando o número de Praças proporcionado.
Art. 3º - A organização do corpo, pagamento de cada indivíduo, a nomeação e a despedida dos Comandantes, as instruções necessárias para a boa disciplina serão feitas provisoriamente pelo Governo, que dará contas na futura sessão para aprovação da Assembléia Geral.
Art.4º - Ficam revogadas todas as Leis em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O Secretário d¢Estado dos Negócios da justiça a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 10 de outubro, décimo da independência, e do Império.
Francisco de Lima e Silva
José da Costa Carvalho
João Bráulio Muniz
Diogo Antônio Feijó.
A partir dessa lei, outras leis vieram regulamentar a organização: foram criados o Estado-Maior – do qual faziam parte o comandante geral, um ajudante de ordens, um cirurgião-mor e um ajudante, um sargento secretário e um sargento quartel-mestre – e quatro Companhias de Infantaria e duas Companhias de Cavalaria com 100 e 75 soldados, respectivamente. Exigia-se idade entre 18 e 40 anos para a incorporação, instituía-se uma disciplina com penas para qualquer tipo de insubordinação, faltas e crimes de modo geral. Ficava sob a responsabilidade dos presidentes das províncias nomear o comando do Estado-Maior, considerado, portanto, cargo político e não de carreira.
As alterações de nomes da Polícia Militar de Minas Gerais demonstram que a corporação passou por diversas fases de organização até chegar ao estágio atual. Em 09 de junho de 1775, criou-se o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, considerado como o marco histórico da corporação; em 12 de dezembro de 1831, esse regimento passou a denominar-se Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que, em 02 de abril de 1840, mudou para Corpo Policial de Minas; que, em 12 de abril de 1890, mudou para Guarda Republicana; que, em 06 de maio de 1890, mudou para Corpos Militares de Polícia de Minas; que, em 24 de outubro de 1891, mudou para Força Pública de Minas; que, em 22 de julho de 1893, mudou para Brigada Policial de Minas Gerais; que em 30 de agosto de 1914, mudou para Força Pública de Minas; que em 10 de dezembro de 1940, mudou para Força Policial de Minas; em 18 de setembro de 1946, fixou-se o nome de Policia Militar de Minas Gerais. Tais alterações de nomes sugerem que essa organização policial teve sua história marcada por conflitos de identidade durante muito tempo. As conturbações sociais e as denúncias de fraudes e outras espécies de crimes envolvendo seus integrantes dificultaram ainda mais a efetivação da corporação.
Desde a Tropa de Linha e a constituição da Força Regular e Paga, passando-se pelas Companhias de Dragões até se efetivar como Polícia Militar em 1775, são feitas denúncias envolvendo os integrantes dessas corporações em contrabandos, fraudes e outros crimes.
A criação dessas corporações se deu, primeiramente, para atender aos interesses do Estado, que se preocupava com a manutenção do controle social. A polícia, de forma geral, não emergiu para atender prioritariamente à “segurança pública” da população, como tenta transparecer na história, mas para impedir qualquer tipo de contestação social que colocasse em risco a dominação das elites. A ambição pela riqueza fácil trouxe várias conturbações sociais que dificultaram a manutenção dos interesses dessa elite, que recorria ao Estado para se proteger através de um corpo de milícias sustentada pelo povo, mas que não estava a serviço deste.
CONCLUSÃO
Os acontecimentos policiais têm ocupado crescentemente importantes espaços na mídia. Desde o início dos anos 90, episódios históricos como, por exemplo, as chacinas de Carandiru, Vigário Geral, Favela Naval, Cidade de Deus; ou a mais recente na Baixada Fluminense, com 29 pessoas mortas no último dia 31 de março de 2005, bem como atos mais isolados e cotidianos das práticas policiais e até os movimentos desencadeados pelos policiais (nos diversos Estados para reivindicar salários e melhores condições de trabalho) tem alcançado destaque. Portanto, têm chegado à opinião pública as mazelas policiais. A violência policial tem sido motivo para elevar e aprofundar as discussões sobre a reformulação institucional das polícias de todo o país. Surge a velha questão Quis custodiet ipsos custodes
[8]?
Essas questões envolvendo a força policial suscitam perplexidade na população e descortinam nas academias uma preocupação de natureza cognitiva. A ignorância do brasileiro sobre as organizações policiais e a justiça criminal se reflete em dois pontos: no funcionamento da sociedade e nas academias, quando desafia a capacidade dos pesquisadores em formular soluções e propor controle para a força policial (BEATO, mimeogr.).
Diante disso, na tentativa de contribuir ao debate, procurei delinear alguns dos vários pontos em que pôde ser abordada a inoperância da polícia. A população precisa ser esclarecida sobre o trabalho da polícia; isso implica fazer um marketing da polícia (AQUINO, 1997). Além disso, as academias precisam propor agendas que possibilitem reformular as polícias e restabelecer, no mínimo, um parâmetro democrático para que as polícias, em geral, possam interagir em prol do combate à criminalidade.

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[1] Esse tipo de mina facilita os trabalhos dos minerados, pois o ouro fica sobre a terra.
[2] Em 1711, foi criada a primeira Vila em Minas Gerais, denominada Ribeirão de Nossa Senhora do
[3] Carta Régia dessa mesma data.
[4] Minas desmembrou-se de São Paulo e se tornou uma capitania em 1720
[5] Carmo, atualmente cidade de Mariana. Depois vieram as Vilas de Rio de Nossa Senhora da Conceição, atuais cidades de Sabará; São João Del Rei, Vila Nova da Rainha, atual Caéte, e Vila Nova de Nossa Senhora da Piedade, atual Pitangui.
[6] Soldados de Cavalaria
[7] Cobrança do Quinto, imposto sobre a extração do ouro.
[8] Quem guardará os próprios guardas?

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